O Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento São Paulo (IABsp) solidariza-se com as vítimas do incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida. Para além da tragédia que esse episódio representa, cabe destacar que estamos diante de problemas sistêmicos que afligem a maioria das grandes cidades brasileiras e que demandam discussões que articulem necessariamente políticas urbanas, habitacionais de patrimônio cultural e de gestão dos bens públicos.
Do ponto de vista da política habitacional, revela-se a precariedade das condições de vida a que é submetida uma parcela significativa da população, sem alternativas para morar com dignidade. O enfrentamento do problema habitacional exige a ação integrada das três esferas de governo, com investimentos duradouros articulados em uma política que apresente soluções diversificadas para o acesso e a garantia do direito à moradia digna. A ocupação de imóveis ociosos por movimentos sociais organizados é manifestação legítima diante da falta de alternativas e revela essa contradição de nossas cidades.
Do ponto de vista da política urbana, expõe, para além de casos envolvendo edifícios públicos, a omissão dos municípios na aplicação dos instrumentos indutores da função social da propriedade. Imóveis privados, vazios e subutilizados instalados em áreas bem localizadas devem ser notificados para induzir seu uso. Ainda que não fosse o caso do edifício que desabou, mas que abrigava famílias que aguardavam atendimento habitacional no centro da cidade, parcela significativa desses está localizada em Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), onde parte da área construída deve ser destinada ao atendimento de famílias de baixa renda. Nestes casos, o Consórcio Imobiliário é uma alternativa aos proprietários para que disponibilizem seus imóveis (terrenos ou edifícios, para reforma), que podem ser permutados pelo valor equivalente de unidades residenciais ou comerciais, após a conclusão destes processos. Além de induzir o cumprimento da função social os municípios adquirem área construída para destinação própria.
Do ponto de vista do patrimônio cultural, evidenciam-se as condições precárias de conservação em que se encontram imóveis como o edifício projetado em 1961 pelo arquiteto Roger Zmekhol, que foi vice-presidente deste Instituto. Tombado em 1992 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, tratava-se de um ícone da arquitetura moderna, movimento cuja sensibilidade se constituiu, para além da dimensão cultural, em meio à afirmação do compromisso social dos arquitetos. Outros edifícios de valor cultural igualmente ameaçados, revelam a dificuldade em se preservar a história e a memória de nossa cidade bem como a incompreensão de que instrumentos como o tombamento não limitam ou interferem nas possibilidades de uso. Direito à memória e à cidade devem caminhar juntos e só podem ser garantidos através do uso diverso e socialmente relevante dos espaços entendidos como parte do patrimônio cultural.
Em relação à gestão do patrimônio público, caso deste edifício, de propriedade da União, revela-se a morosidade na adoção de medidas para que os imóveis de diferentes entes tenham destinação adequada. Para isso se faz necessário conhecer e avaliar esse patrimônio, planejar sua destinação em função das suas potencialidades e condicionantes, além de adotar medidas como a articulação com outros poderes (poder judiciário, cartórios de registros de imóveis e poder legislativo), que facilitem o uso dessa infraestrutura já instalada.
Colocar a população que sofre dessas mazelas como responsável por problemas dessa natureza, de fato, não será o início de um bom caminho. Que essa tragédia seja um marco para reversão das políticas públicas no sentido de promover o reuso e a conservação de edifícios, públicos e privados, especialmente em áreas bem localizadas para, entre outras finalidades, provisão de moradia digna.
São Paulo, 02 de maio de 2018
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