É comum o jovem ingressante na faculdade de arquitetura sonhar em atuar na área de criação, no processo de elaboração de projetos arquitetônicos e urbanísticos, especialmente naqueles de visibilidade, que gerem grande impacto na vida das pessoas e nas cidades. O que muitos esquecem é que há oportunidades de trabalho importantes no setor público, nas esferas municipal, estadual ou federal, em autarquias, bancos, empresas e fundações.
“A arquitetura é justamente uma das disciplinas que permite, além de uma interação interdisciplinar, trabalhar em campos distintos”, ressalta o arquiteto Rogério Pedrinha Pádua, coordenador da Gerência Nacional de Padronização e Normas Técnicas da Caixa Econômica Federal. Ele cita como exemplo o próprio banco, no qual um arquiteto pode atuar em várias frentes – análise e acompanhamento de repasses de verbas para obras de infraestrutura, financiamento aos empreendimentos privados de caráter urbano, análise e acompanhamento de empreendimentos habitacionais, gestão patrimonial de agências e sedes da empresa, consolidação de sistemas de referências e custos, parcerias com outros atores, e até mesmo ações de gestão ambiental.
A gama de atividades no setor público é enorme, com amplas chances para o desenvolvimento profissional, afirma o arquiteto Luiz Antonio Cortez Ferreira, que atua na área de Planejamento e Sustentabilidade no Metrô de São Paulo e é diretor da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô (Aeamesp). “As oportunidades variam muito de acordo com o órgão ou empresa pública, e tendem a ser maiores na esfera federal, em alguns Estados e também nas grandes capitais”, diz Luiz, que foi contratado em 1986 e trabalha no planejamento, formulação de políticas públicas e desenvolvimento de ações de sustentabilidade e atividades de gestão ambiental da empresa. “O que me atraiu nessa carreira foi exatamente a oportunidade de ter uma atuação mais ampla do que na iniciativa privada, além de poder tratar de temas de interesse coletivo”, revela.
INCENTIVO À DIVERSIFICAÇÃO
A estabilidade financeira ainda é o que leva a maior parte dos profissionais a procurar o funcionalismo público. E, se essa estabilidade é comparada à rotina, não necessariamente a vida do servidor será sinônimo de acomodação. “Atualmente, grande parte dos profissionais concilia suas atividades com a realização de cursos de pós-graduação na própria área ou voltados para a gestão. Muitos, inclusive, conseguem concluir mestrado e doutorado”, revela Eleonora Lisboa Mascia, gerente nacional de Entidades Urbanas da Caixa Econômica Federal.
Claro que muito desse aprimoramento depende da iniciativa individual, mas as administrações públicas tendem a incentivar esse aperfeiçoamento oferecendo promoções e bônus para aqueles que obtêm títulos.
ESCALA E TIPOLOGIA
Outro chamariz do setor público é a oportunidade oferecida aos seus colaboradores para participar de projetos de grande escala. “As dimensões são infinitamente maiores das aplicadas no setor privado, proporcionando ao profissional visão mais abrangente”, compara Érica Tortorelli, assistente de diretoria do Departamento de Apoio Administrativo da Prefeitura Municipal de Santo André.
Diferentemente do estereótipo associado às repartições públicas, quem atua como servidor público garante que a rotina não é nem um pouco monótona. “Isso não quer dizer que não seja padronizada e normatizada. Mas, muitas vezes, o dia do profissional envolve trabalhar em dois ou três projetos completamente diferentes em tipologia ou nível de investimento”, relata Rogério, que há dez anos se desligou de um escritório de planejamento urbano que tinha em Brasília para ingressar na Caixa, sem arrependimentos.
DESAFIOS COTIDIANOS
Por muito tempo, o trabalho no serviço público esteve atrelado a condições de trabalho precárias, baixos salários e restritas oportunidades de progressão de carreira. “A partir de 2004, voltaram a ser promovidos os concursos para carreiras técnicas específicas. Hoje esses profissionais têm plano de carreira, são mais bem remunerados e incentivados a dar continuidade ao seu aperfeiçoamento”, comemora Eleonora.
Embora haja melhorias, os desafios a serem superados por quem constrói carreira na esfera pública ainda são grandes, e exigem um profissional de perfil muitas vezes distinto daquele que atua em empresas privadas. As condições de trabalho, por exemplo, nem sempre são as mais adequadas. “Às vezes é difícil reunir tudo que é necessário para a realização de projetos mais completos, ou seja, equipe técnica qualificada, equipamentos e softwares atualizados, além da determinação das pessoas envolvidas no processo. A remuneração nem sempre condiz com a responsabilidade técnica sobre os trabalhos”, compara Érica, que ingressou na Prefeitura de Santo André em 1989 após ter escritório próprio de projetos e gerenciamento de obras.
SALÁRIO INICIAL BAIXO
Os salários tendem a variar bastante de acordo com o tipo de instituição. De modo geral, bancos, concessionárias de serviços públicos, órgãos federais e do poder judiciário pagam melhores salários, em comparação a secretarias municipais e estaduais, por exemplo. De acordo com os editais abertos em 2014, a média salarial nacional para os arquitetos que ingressaram no serviço público foi de 4.529 reais.
Vale lembrar que o piso salarial para os arquitetos estabelecido pela Lei no 4.950-A/1966 é de seis salários mínimos para uma jornada de seis horas diárias (atuais 4.344 reais) e 8,5 salários mínimos para uma jornada de oito horas diárias (6.154 reais). Esse piso, obrigatório para o setor privado, não se aplica ao setor público por conta do regime diferenciado de contratação. Na prática, isso significa que um arquiteto pode ter salário inicial na carreira pública inferior ao piso salarial de sua categoria.
BUROCRÁTICO POR NATUREZA
Entre os profissionais que migram do setor privado para o público, o que costuma causar mais choque é a burocratização dos processos e a restrição orçamentária. “Rotinas e procedimentos desnecessários, que geram atrasos de cronograma e custos desnecessários, são questões diárias”, alerta Eleonora. Por isso, segundo ela, o arquiteto que atua no serviço público precisa desenvolver as capacidades voltadas para atuar no coletivo, em ações que têm tempos diferentes do setor privado, que dependem de regulamentação e muita articulação entre níveis de governo.
Assim como acontece nas empresas privadas, também na esfera pública os profissionais podem ter que produzir com prazos apertados. Mas uma peculiaridade é a falta de continuidade dos planos, programas, projetos e atividades, por conta da alternância de poder a cada quatro anos. Lidar com isso nem sempre é fácil, mas é possível se o trabalho estiver apresentando resultados visíveis, comenta José Carlos Neves Loureiro, arquiteto da Prefeitura Municipal de Vitória e diretor- -suplente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA).
UNIÃO E ATUAÇÃO
Em resposta a grandes desafios, os profissionais encontram na articulação junto a seus pares algumas soluções. Entre alguns exemplos há a associação nacional criada em 2002 pelos funcionários da Caixa para representar os interesses dos mais de 2,2 mil arquitetos e engenheiros que lá atuam. “Barreiras existem para serem superadas. Na prefeitura da capital capixaba, após anos de luta, os arquitetos, engenheiros, geólogos e geógrafos, com apoio das entidades de classe, conseguiram igualar em 2007 o piso de sua tabela de vencimentos ao salário mínimo profissional estabelecido pela Lei no 4.950-A/66. Não é simples, mas é possível”, exemplifica José Carlos.
O arquiteto servidor público
– Quem são Arquitetos em diferentes estágios da carreira desde recém-formados até os mais experientes, com interesse em áreas como planejamento urbano e habitação de interesse social
– O que buscam Atuação em projetos de grande escala, maior previsibilidade financeira, plano de carreira mais estável, jornada de trabalho mais regular – o que permite tempo para, por exemplo, conciliar o trabalho com cursos de especialização
– Perfil desejável Ao prestar o concurso, o arquiteto muitas vezes não sabe qual será sua exata área de atuação. Por isso, é importante ter flexibilidade e disposição para aprender atividades novas. Também é fundamental ter aptidão por trabalho coletivo e ter uma visão abrangente, que inclua os aspectos socioeconômicos de sua atividade.
– Desafios cotidianos Burocracia, falta de continuidade nas políticas públicas, falta de estrutura e recursos adequadas, restrições orçamentárias.
– Como ingressam na carreira pública Via concurso público
Por Juliana Nakamura
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