As normas fora das normas

Arquiteta Fátima Regina Althoff*

Há muito venho me envolvendoem discussões e esclarecimentos sobre acessibilidade nas diversas fases de minha vida. Acometida por poliomielite aos 2 anos de idade, trilhei o caminho das dificuldades para me deslocar e acessar desde a minha tenra infância.

Mas o assunto começou fazer parte do meu universo profissional, quando ingressei na Faculdade de Arquitetura da UFSC. Passei o curso lutando para mudar as aulas que ficavam em salas nos andares superiores para o térreo, pois nos prédios do Centro Tecnológico – UFSC, não tinham elevadores nem rampas e acho que, eram raros os Centros que tinham total acessibilidade à época.

No entanto, comecei a ter contato mesmo com a luta pela acessibilidade quando fiz parte da Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos – AFLODEF, na década de 1980. Na entidade surgiram as primeiras discussões sobre a falta de acessibilidade urbana de Florianópolis e seus prédios públicos, desencadeando as primeiras mobilizações e demandas pelo direito à acessibilidade a locais públicos e circulação. Era participando de matérias jornalísticas e entrevista sobre o assunto que pude dar minha contribuição à causa, muitas vezes mostrando como as dificuldades se davam na prática, mostrando as dificuldades diante das impossibilidades da cidade.

Hoje, graças à luta de muitas associações, municipais e estaduais, e das pessoas que saem às ruas enfrentando estes desafios, muito se avançou, principalmente na criação de legislações e normas que exigem e mostram a necessidade de criar, adequar e adaptar os edifícios e as cidades para tornarem-se acessíveis à todos.

A última grande conquista foi através do Decreto de Acessibilidade nº 5296/2004, que regulamenta as Leis nos 10.048/2000, e 10.098/2000 e estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, para a irrestrita acessibilidade nas áreas urbanas, prédios e demais espaços de uso público. Lembrando que estas e outras legislações sempre fazem referencia a necessidade da obediência às normas técnicas de acessibilidade da ABNT.

Apesar de toda a importância da NBR 9050 – Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos –sou de opinião que muito ainda se tem que experimentar e comprovar a eficiência de algumas regras e padrões adotados.

Neste sentido quero aqui alertar para problemas que muitos cadeirantes vêm enfrentando quando necessitam utilizar um sanitário em shopping, órgão público,aeroportos,hotéis etc…, ou outra edificação de uso público no território nacional.

A primeira delas diz respeito ainstalação de vasos sanitários com uma fenda frontal. É um perigo, pois esta depressão desequilibra, e trás inúmeros transtornos na hora de sentar, pois quem não tem controle dos membros inferiores, tem que tomar o triplo de cuidado para não cair ou não deixar a perna cair na abertura frontal. Este modelo é vendido no comércio como um equipamento obrigatório, quando na Norma não existe nenhuma alusão ao mesmo. Examinando o catálogo do fabricante, fica claro na especificação: “Atenção: A bacia XX, com abertura frontal, é destinada para casos onde o usuário tem a companhia de uma pessoa para auxiliá-lo na higienização. Caso contrário a bacia recomendada é a XY.” Portanto, não é o caso da maioria dos usuários, que tem autonomia relativa e não precisam de acompanhamento quando usam o sanitário. Talvez este modelo seja indicado apenas para determinados sanitários hospitalares. A linha chamada “conforto” deste fabricante possui dois modelos, um com abertura frontal e outro sem, tendo em comum a altura, 44 cm, 4 cm mais altas que as bacias tradicionais, que é recomendável.Então alguma coisa está errada, e talvez seja a falta de orientação dos revendedores e o desconhecimento da norma pelos profissionais de arquitetura.

Ainda quanto a equipamentos sanitários, tenho muitas críticas a itens recomendados pela NBR como o banco fixo sob o chuveiro e a barra de apoio no entorno do lavatório.

O banco fixo sob o chuveiro, nunca fica totalmente sob o chuveiro, e sim fixo a parede, de dimensões mínimas, que além de trazer insegurança quanto a fixação, não tem tamanho suficiente para as movimentações necessárias e deixa pela menos metade do corpo fora do alcance da queda d’água. É uma falácia. O jeito é solicitar uma cadeira que te dê segurança e possa ficar posicionada totalmente sob a ducha.

A barra de apoio em frente ao lavatório, salvo raras exceções afasta ainda mais o cadeirante da torneira, considerando que o mesmo encontra-se sentado e, caso queira escovar os dentes ou lavar o rosto, terá muita dificuldade e irá se molhar, já que fica impossível reclinar a cabeça sobre o lavatório.

Portanto, gostaria aqui de solicitar aos meus colegas profissionais da Arquitetura e Urbanismo, muita atenção quando forem projetar e especificar para este tipo de cliente, nunca é demais se informar com quem realmente vai usar determinado equipamento, caso não conheçam pessoas com deficiências, recorram às associações de pessoas com deficiência, pois desta formaestarão ajudando a não multiplicar estes equívocos técnicos .

Florianópolis, 06 de maio de 2013.

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*Arquiteta e Urbanista – Especialista em Conservaçãoe Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.

 

 

3 respostas para “As normas fora das normas – Arquiteta Fátima Regina Althoff*”

  1. Avatar de Scheila
    Scheila

    Muito obrigada Fátima!!!
    Especificamente sobre o vaso com abertura frontal que nunca me convenceu que cumpriria a função para o cadeirante que simplesmente queira usar o banheiro… Obrigada pelas considerações!!
    É realmente importantíssimo, assim como TUDO em nossos projetos, atentarmos para a função, para quem são, quem usará.
    Existem normas a cumprir, claro, mas não trata-se somente de segui-las, mas sim de lembrar que as normas consequencias, são feitas para garantir que necessidades específicas possam ser atendidas.
    Conhecer um pouco mais da real necessidade das pessoas que usarão os espaços que projetamos é até mais importante que dominar as exigências das normas, pois assim, além de segui-las, poderemos contribuir para questionar sua validade e melhorar todo o processo.
    Abraço!!! 🙂

  2. Avatar de Sigfrido F C G Graziano Junior
    Sigfrido F C G Graziano Junior

    Prezados colegas profissionais e em especial à Fátima
    Fomos colegas de aula, também tenho deficiência – no meu caso uso de prótese do membro inferior direito (perna mecânica), sinto também que há necessidade de revisão das normas e uma certa “empatia” por parte dos projetistas: tentem se colocar no lugar do outro! Muita coisa das normas de acessibilidade é feita como se todos fossem totalmente dependentes de um terceiro, quando a acessibilidade – é como eu interpreto – é para dotar de autonomia àquele que tem suas limitações.

  3. Avatar de Brigitte Baum
    Brigitte Baum

    Caros colegas

    Me formei em Arquitetura na UFSC em 1985 (sou da turma de 78) e trabalho na Secretaria Municipal do Verde e do maio Ambiente de São Paulo. Faço parte da Comissão Permanente de Acessibilidade-CPA que faz parte da Secretaria da Pessoa com Deficiência, e que analisa e delibera sobre projetos e intervenções públicas, além de projetos da iniciativa privada.
    É um grande Forum de discussões, com participação de diversos órgãos, IAB, Secovi, Dorina Nowill, Conselhos de Idosos, etc.
    A CPA já lançou uma Resolução (claro que só vale para a cidade de São Paulo) esclarecendo sobre a utilização deste tipo de vaso sanitário: na verdade, a abertura frontal, serviria somente para locais de saúde, que recolhem material para exames de saúde.
    Além desta, há diversas outras resoluções, já modificando ítens da Norma considerados equivocados.
    Gostaria de receber mais informações sobre o que tem acontecido sobre Acessibilidade aí em SC. No momento, participo de um grupo de estudos na AACD para desenvolvimento de um playground inclusivo.

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