Por Roberto Ghione
Uma sociedade que constrói espaços fechados para encontros e lazer (e consumo) dos seus habitantes; edifícios-fortalezas excludentes e segregacionistas para habitação e serviços; paisagens urbanas de muros, portões e guaritas; que utiliza o automóvel como unidade de medida de todas as decisões urbanísticas; que descuida das calçadas e mobiliário urbano; que abandona a população menos favorecida em periferias degradantes; que decide as políticas urbanas em benefício de poucos; que demonstra pouca preocupação pelo patrimônio cultural e urbano e que protela indefinidamente a solução de necessidades básicas de saneamento e preservação ambiental, caminha decididamente na contramão das boas práticas urbanísticas, condena seus cidadãos à desintegração e exclusão social e decreta a morte da cidade como lugar de convivência e desenvolvimento cultural democrático e genuíno. Acrescenta-se a circunstância da cidade assistir a um crescimento econômico ímpar, com indicadores que a colocam num lugar privilegiado na ordem nacional e internacional, com sua classe dirigente e formadora de opinião viajando exaustivamente ao exterior para vivenciar as qualidades urbanas das cidades do chamado “primeiro mundo”. O resultado é uma constrangedora divergência entre as possibilidades de realizar uma transformação radical e possível, e a inércia de subdesenvolvimento na qual a cidade afunda sem planejamento de longo prazo nem orientação política que a conduza no seu destino de dignidade e grandeza baseada na tradição histórica e cultural.
As boas práticas urbanísticas ensinam que as pessoas -e não os automóveis- devem ser colocadas no centro das políticas de desenvolvimento; que o estímulo da integração social e urbana favorece uma sociedade mais educada, justa e menos violenta num futuro imediato; que os usos mistos – e não o residencial exclusivo e excludente – promovem a vivência e a celebração dos espaços urbanos, o uso da cidade a pé, a solução da mobilidade e o melhoramento das calçadas, praças e mobiliário urbano; que as cidades compactas e com altas densidades racionalizam infraestrutura e transporte; que o transporte público de qualidade e eficiência é a solução para a atual imobilidade urbana; que não se constrói uma cidade sem uma base elementar de saneamento; que viadutos são soluções ultrapassadas e antiurbanas; que o patrimônio arquitetônico e urbano é referência da identidade de uma sociedade; que os recursos naturais e ambientais qualificam à cidade; que uma história plena de valores culturais não pode ser sacrificada em nome do egoísmo, individualidade e narcisismo dos componentes privilegiados de uma sociedade que afunda na lama do poder e da arrogância; que as soluções participativas e democráticas são as mais eficientes; que a imaginação e a criatividade superarão sempre à burocracia e às soluções padronizadas que eternizam a alienação e a mediocridade. Vale a pena refletir em tempos eleitorais, para decidir e reclamar pela cidade que merecemos (ou não).
Roberto Ghione é arquiteto e diretor do IAB/PE
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