O CAU confunde a categoria quando faz o papel das entidades?

Bom dia colegas. Convido você para fazer a leitura desse artigo que estou enviando para publicação. Diz sobre o CAU, as entidades e nosso momento. Como estou na luta há décadas, considero que estamos passando por um dos piores momentos seja para a categoria seja para as entidades seja para a profissão e especialmente para nosso país. Considero que estamos vivendo rupturas e nesse momento em que se avizinha o Congresso da UIA com tantos problemas na base e nas instituições, podemos discutir os rumos. Segue meu diagnóstico e minhas ideias. São 4 páginas e peço que o colega não se canse de ler. Leia até o fim. Abraços fraternos

Arquiteto e Urbanista Ângelo Marcos Vieira de Arruda
Professor Inativo da UFMS – GT Estudos Urbanos IAB-SC

 

O CAU confunde a categoria quando faz o papel das entidades?
Ângelo Arruda – arquiteto e urbanista. Ex-presidente da FNA

Se você der passar os olhos por uns 15 minutos nos sites dos Conselhos de Arquitetura e Urbanismo de todos os 27 Estados e ainda der uma olhada nas notícias do site do Conselho Federal, você pode ter uma enorme surpresa: será que o CAU é uma autarquia pública que cuida da fiscalização e da ética profissional ou ele é uma entidade pública que realiza atividades típicas das entidades de classe, como associações e sindicatos? Esse é o teor desse artigo.
Antes é preciso darmos uma olhada no que diz a legislação. A Constituição federal diz no seu “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: … XIII – e livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” Neste caso a nossa Carta Magna faz referência às profissões legalmente regulamentadas, ou seja, àquelas que foram criadas por lei e em cujo diploma legal são estabelecidas as condições, prerrogativas, atribuições, etc, para o exercício destas atividades.
A lei de que trata esse inciso da CF para os arquitetos e urbanistas é a Lei federal 12.378/2010 e no seu “Art. 24. Ficam criados o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal – CAUs, como autarquias dotadas de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira e estrutura federativa, cujas atividades serão custeadas exclusivamente pelas próprias rendas. § 1o O CAU/BR e os CAUs têm como função orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de arquitetura e urbanismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem como pugnar pelo aperfeiçoamento do exercício da arquitetura e urbanismo.
Neste parágrafo está sintetizada toda a atuação legal do CAU.
A primeira e portanto, a mais importante do ponto de vista legislativo, é a de cuidar do exercício da profissão. Ou seja, orientar os colegas formados no sentido do cumprimento de seus deveres formais, disciplinar com atos administrativos e fiscalizar. Nesse sentido, alguns juristas consideram o ato de fiscalizar o mais sagrado ato dos conselhos profissionais pois como sendo criados para não permitir que leigos profissionais atuem e exercitem a profissão ele protege a sociedade de profissionais sem qualificação técnica. Nesse quesito, o esforço deve ser o maior de todos, gastos de recursos, aparelhamento e tecnologia e cuidados para que os mais de 170 mil profissionais diplomados em arquitetura e urbanismo que atuam em mais de 70% das cidades brasileiras, possam desenvolver sua profissão com zelo, qualidade e técnica exigidas. Nesse quesito o CAU deve atuar para vasculhar as cidades e o campo no sentido de acompanhar a possibilidade de ninguém exercer a profissão sem o diploma legal. Nesse caso o CAU age para além de suas divisórias e pode e deve fazer parcerias com Prefeituras, entidades privadas, conselhos, delegacias, enfim, para fazer valer o cumprimento dessa parte importante da lei.
A segunda é a ética. O CAU é um tribunal ético. Nesse caso o CAU age para dentro de suas paredes, ou seja, ele julga em comissões, o comportamento dos profissionais registrados e para tanto, aprovou um Código de Ética e o seu não cumprimento, possibilita após transitado em julgado, que o profissional recebe penalidades que começam bem brandas e vai até a proibição do exercício profissional, a depender da gravidade. Essa segunda função do CAU merece ser melhor estudada pois a ética e a moral são necessários para uma sociedade qualquer e, quando a ética implica em comportamento profissional, ela necessita de ser melhor apresentada e conhecida por todos.
A terceira e última traz à tona a responsabilidade de executar o verbo pugnar (que significa lutar, se esforçar para conseguir algo) pelo aperfeiçoamento do exercício da arquitetura e urbanismo. Aperfeiçoar é sinônimo de melhorar, aprimorar, ou seja, nesse quesito, ao CAU interessa um profissional que possua melhores condições para o exercício da profissão de arquiteto e urbanismo. É exatamente nesse ponto que as minhas análise estão concentradas.
Segundo o Tribunal de Contas da União, do total dos 29 conselhos profissionais existentes no país que abrigam 8 milhões de profissionais registrados e arrecada 4 bilhões por ano, apenas 8% desse total é investido em fiscalização.
Se a fiscalização é o grau máximo da função dos conselhos, porque apenas 8% são investidos nessa rubrica? O mesmo TCU nos informa que, em média, os Conselhos gastam mais de 55% dos seus orçamentos com salários dos empregados e mais 15% com diárias e passagens aéreas.

A MISSÃO DO CAU
O Plano de Ação do CAU para 2018, visando ao desenvolvimento e fortalecimento da arquitetura e urbanismo e da profissão, orienta-se pela missão do CAU, definida no Planejamento Estratégico 2023, de “Promover a Arquitetura e Urbanismo para Todos”; e por sua visão de futuro, de “Ser reconhecido como referência na defesa e fomento das boas práticas da Arquitetura e Urbanismo”. Essas prioridades de ação do CAU mais se parecem com a Missão de uma entidade de classe, seja sindicato seja associação.
A MISSÃO DO CAU deve ser a representação do que está contido na lei – orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, cuidar da ética e pugnar pelo bom exercício – que somados aos demais interesses expressos em Congressos, Seminários e demais meios de debate e acolhimento de propostas e sugestões. O CAU não precisa e não pode ser reconhecido como uma referência na defesa e fomento das boas práticas e sim as entidades. Para tanto, ao colocar esses itens como MISSÃO, a ação do CAU colide com as ações das entidades profissionais que, sem recursos, apoio ou suporte do CAU (apenas por meio de editais de pequenos valores face aos seus reais compromissos), se colocam como intermediárias de um processo que elas devem ser as protagonistas.
O CAU pode usar de suas prerrogativas de pugnar e assim promover a defesa da profissão, mas deve fazer isso convocando TODAS AS ENTIDADES NACIONAIS E ESTADUAIS dos arquitetos e urbanistas para tal ação. As demais funções são expressivas e cabe exclusivamente a ele as ações com destaque para parcerias em prol da orientação ao exercício profissional. Ao CAU cabe a exclusividade da fiscalização e disciplinamento do exercício e do zele pela ética. Essas suas funções não podem e não devem ser compartilhadas com nenhuma entidade profissional e sim com entidades públicas como CGU, TCU, PF e MPF.

QUEM É O SISTEMA CAU HOJE E QUEM SÃO AS ENTIDADES PROFISSIONAIS

Eu me lembro de quando estávamos registrados no CREA/CONFEA, cada vez que os engenheiros falavam em “Sistema” dava um enorme arrepio pois eram tantos os atores ali presentes – engenheiros, arquitetos e agrônomos, mais os técnicos com uma ampla estrutura de Câmaras especializadas, mais a MUTUA e sem contar com as Semanas, Congressos e um nicho onde as mais de 30 entidades nacionais se reuniam. Era comum os arquitetos e urbanistas denominarem que o Sistema CREA/CONFEA era um Sistema de Turismo e Diárias (CONFEATUR) face a enorme quantidade de reuniões, eventos, etc. cada um com muita gente, tudo pago com os recursos arrecadas via anuidade e ART de quase 1 milhão de profissionais. Naquele bojo nós éramos uns 75 a 80 mil mas contribuíamos com muitas ARTs e nesse jogo sempre estávamos ali reclamando que recebíamos menos do que arrecadávamos para o SISTEMA.
Pois bem. Hoje o CAU é, identicamente, um SISTEMA. Opera com uma arrecadação única controlada e repartida na origem – cada CAU recebe, no pagamento de um boleto a sua cota-parte – e tem uma pesada estrutura de cargos e funções com remunerações muito altas e pouco condizentes com a realidade da categoria; ao todo são 9 Comissões Permanentes e mais 8 Comissões Temporárias que viajam o Brasil, se reúnem com muita frequência, gastam uma enormidade de passagens e diárias em nome da… fiscalização??? NÃO. A maioria em nome do verbo pugnar o exercício e uma de ética, como não poderia deixar de ser.
Esse sistema prevê arrecadar em 2019, 193 milhões de reais sendo 61% das anuidades e 30% das RRTs. AO CAU BR cabe o valor de 20% desse total, ou seja quase 40 milhões e mais 14 milhões para a sede em Brasília que foi objeto de concurso e que seu orçamento ficou em mais de 30 milhões de reais. O balanço do Sistema nos mostra que existem mais de 80 milhões de receita de capital que, segundo o Plano de Ação servirá para Obras e Instalações ou seja, compra de sedes para o Sistema.
Já as entidades nacionais existentes, fundadoras do CAU e lutadoras para a sua existência – IAB, FNA,ABEA, ASBEA e ABAP, juntas, formam o Colegiado da Entidades CEAU do CAUBR que logo no começo, funcionavam apenas as 5 entidades e mais o Presidente do CAU. Uma mudança política trouxe para dentro do CEAU os Coordenadores das Comissões de Ensino e de Exercício Profissional.
As cinco entidades nacionais – IAB tem 22 regionais, AsBEA com 9 regionais, ABAP tem 9 Núcleos Estaduais, ABEA é entidade nacional sem unidades regionais e FNA com 20 Sindicatos Estaduais e 6 Delegacias regionais, somam aproximadamente uns 12 a 15 mil associados (menos de 10% do total registrado) contribuintes que somados os orçamentos das 5 entidades nacionais e seus regionais 2.5 milhões a 3 milhões de reais anuais.
Quando comparamos com o Sistema CAU – com 174 mil registros de pessoas físicas e quase 25 mil empresas que arrecada quase 200 milhões por ano, estamos defrontando duas realidades: as receitas do CAU são obrigatórias para o desempenho do exercício – ou seja você somente consegue exercer a profissão se pagar a anuidade e as RRTs – enquanto das entidades são voluntárias e dependem de uma ampla participação da classe e das diretorias das entidades.
Sem receitas fortes – várias entidades nacionais e estaduais estão apelando para planos de saúde, cursos com descontos, eventos, etc- para desempenhar seus papéis, as entidades encontram dificuldades para a sua existência e cumprir bem o seu Estatuto. Ou seja, com mais estrutura funcional, espaços adequados, sistemas e muito recurso, os CAUs ao meu ver, quando operam além do limite de suas finalidades legais ofusca as entidades e assim, os profissionais pensam: eu pago anuidade e RRT, o CAU me envia cursos, palestras, se reúne com a comunidade, com os prefeitos, vereadores, divulga em todas as redes sociais, está presente no Legislativo acompanhando as leis que podem aborrecer a minha vida, porque eu vou me filiar e pagar mais uma anuidade de umas das cinco entidades?
Esse questionamento eu escuto em todos os lugares por onde vou. Essas frases não são novidades. Passávamos por esse mesmo problema quando estávamos no Sistema CREA.
Numa sociedade dividida como estamos hoje, as entidades privadas tem um enorme papel na democracia, na geração de emprego e de oportunidades, da defesa do exercício, dos salários, das condições de trabalho e da justa remuneração. Entretanto, combalidas financeiramente, com diretorias com poucas pessoas participando, enxergo um futuro muito caótico para as entidades e é nesse âmbito que considero importante, podermos nos reunir para trocarmos ideias sobre os cenários que temos pela frente.
Nesse sentido, finalizo com algumas sugestões e encaminhamentos a serem debatidos, abertamente, com a finalidade de lograr êxito nesse diagnóstico aqui realizado com:
1. Discutir formas de congelamento do valor das taxas por 3 anos, condicionando-as a um aumento visando ao atendimento da sua função pública previstas na lei que criou o CAU e a manutenção do Sistema;
2. Aplicação dos recursos da RRT em atividades fins do CAU e não em atividades-meio e congelar os seus valores a preços de 2019 por 5 anos;
3. Congelamento dos salários e benefícios funcionais e redução drástica dos valores das diárias, para economizar recursos;
4. Redução da quantidade de Comissões Temporárias e Permanentes adequando as finalidades da lei – exercício, ética e ensino. Todas as demais comissões seriam extintas. As atividades administrativas e financeiras seriam resolvidas pelo Conselho Diretor;
5. Utilizar as ferramentas digitais para a maioria das reuniões e plenárias reduzindo despesas com passagens e hospedagens e deslocamentos;
6. Repactuar o papel das entidades nacionais e regionais, dando significado atribuído na Lei 12.378 no campo do exercício profissional e ensino, especialmente;
7. Atuar, obrigatoriamente, em conjunto com as entidades nacionais em todas as ações planejadas para fazer valer o verbo pugna, previsto na lei, entre todos, com as diferenças regionais e especificidades de cada Estado e compensando as entidades com convênios e contratos para a descentralização e execução das atividades;
8. Atuar fortemente no Congresso Nacional para debater os conteúdos da PEC 108/2019 que privatiza os Conselhos, focando nas finalidades dos Conselhos;
9. Convocar uma Assembleia Nacional Constituinte dos Arquitetos e Urbanistas com congressos estaduais, com a participação dos profissionais e das entidades com o fim de repactuar as ações e atividades do Conselho;
10. Por fim, priorizar em grau máximo, as ações de fiscalização do exercício, incluindo a prestação de serviços e assalariados, em convênio com as entidades e com o MP, TC e outros organismos nacionais.

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