Apesar de 64% do total de profissionais registrados de arquitetura e urbanismo no Brasil serem mulheres, as narrativas sobre essas profissionais estão praticamente ausentes da historiografia nacional. Buscando preencher essa lacuna na memória coletiva, a historiadora Camila Belarmino investigou, através de documentos oficiais e jornais da época, a história das 28 primeiras mulheres matriculadas entre 1907 e 1938 no primeiro curso de arquitetura do País, na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
Ela também comenta que, já em 1928, uma reportagem publicada na Gazeta de Notícias descreve equivocadamente Danúzia Palma Dias (outra das profissionais estudadas por Camila) como primeira brasileira diplomada em arquitetura, reforçando a velocidade desse processo de apagamento.
Em 16 de dezembro de 1911, o fato de Arinda ser a primeira arquiteta formada na ENBA foi registrado pelo jornal carioca de grande circulação O Paiz, com a chamativa manchete Primeira Architecta:
Em entrevista ao Jornal da USP, Camila explica o que aquilo significava no contexto: “Naquele período dos primórdios da República brasileira, o curso da ENBA não era ainda considerado de nível superior, e a arquitetura, enquanto curso, era malvista por ser associada ao regime monárquico, recém-deposto. Dentro dessa conjuntura, divulgar a formação de uma mulher era uma maneira da instituição se mostrar alinhada aos valores liberais positivistas do novo sistema político e, dessa forma, tentar conquistar algum prestígio”.
A historiadora especula que esse seja o motivo da ênfase no fato dada pela imprensa, evidenciado, por exemplo, no uso deliberado da palavra architecta flexionada no feminino, apesar de a autorização para essa variação em diplomas só ter acontecido oficialmente em 2012, com a sanção da lei 12.605 pela presidente Dilma Roussef, outro exemplo de figura pública que fez do uso do termo “presidenta” flexionado no feminino uma declaração política.
Para Camila, o esquecimento de Arinda, nas condições em que aconteceu, é expressão de um modo patriarcal de produção de memória. Dentro da história da arquitetura, estabeleceu-se que as obras são fruto da genialidade de pessoas representativas de um ideal masculino de excepcionalidade. A recuperação da trajetória de Arinda oferece uma oportunidade não só de trazer o reconhecimento devido para as mulheres que participaram no processo de legitimação da arquitetura, mas também de questionar toda essa narrativa.
Em termos de ações, a pesquisadora está atualmente tentando entrar em contato com os órgãos responsáveis para propor o reconhecimento de Arinda da Cruz Sobral como uma das pioneiras da arquitetura na cidade do Rio de Janeiro através de algum prêmio honorífico, a restauração da Capela São Silvestre e a recolocação da placa indicativa da autoria do projeto, mas ainda não teve nenhuma resposta.
As descobertas foram feitas no âmbito da pesquisa de doutorado de Camila em andamento no Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos, A mulher na arquitetura e no urbanismo: trajetórias profissionais entre as décadas de 1910 e 1960 no Rio de Janeiro, orientada pela professora Eulália Negrelos. As informações sobre Arinda, especificamente, também foram coletadas em um artigo que será publicado na revista risco, do IAU.
Mais informações: e-mail cbelarmino@usp.br, com Camila Belarmino
Reportagem completa: https://jornal.usp.br/ciencias/historiadora-recupera-trajetoria-de-arinda-da-cruz-sobral-a-primeira-mulher-arquiteta-do-brasil-e-talvez-da-america-latina/
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