A denominada “praça” que a prefeitura construiu na esquina da minha casa não é uma praça. É um espaço burocrático remanescente de uma arrumação viária (como sempre, o automóvel em primeiro lugar) derivada de outra obra viária maior, que é a chamada Via Mangue.
A “praça” está delimitada por um muro de uns três metros de altura, divisa de um edifício residencial de uso exclusivo, e pelo traçado viário, que desenvolve uma curva determinada pela circulação dos automóveis. Não existem edificações com fachadas ativas em torno dela, assim como nenhum elemento que estimule o controle social e a apropriação do espaço público.
No centro de “praça” existe um círculo de areia, com dois escorregadores e quatro gangorras metálicas. Também dois bancos que acompanham a forma circular. Uns jardins, com o traçado ondulado de rigor que aqui se usa para os projetos paisagísticos, complementa o espaço. A vegetação é baixa ou de mediano porte, interessante como elemento decorativo, mas não providencia muita sombra.
Os moradores do edifício lindeiro “contribuíram” com cerca elétrica e uns refletores que reforçam a iluminação durante a noite. Não para estimular a permanência das pessoas, mas para intimidar vândalos que possam pular o muro divisório e invadir a área comum do edifício.
De tanto em tanto caminho pela calçada da “praca” e nunca vi alguém usando-a. A situação é obvia: resulta difícil imaginar alguém permanecer sob o sol escaldante durante o dia e, menos ainda, imaginar alguém torrar crianças nos brinquedos metálicos. No fim da tarde, já sem a incidência solar, o medo da violência urbana prevalece nesse espaço sem fachadas ativas. Já vi funcionários da prefeitura fazendo a manutenção da vegetação e a limpeza. De fato, o espaço está bem cuidado e mantido, mas, pessoas usando-o ainda não vi.
Perto dela existe outra “praça”, chamada Walt Disney. Ela já ficou conhecida através de um documentário, porque no início da manhã ou no fim da tarde as empregadas domésticas descem dos edifícios (ou desciam, na época de ouro do emprego doméstico) para passear com os cachorros dos patrões, ao mesmo tempo em que aproveitam para confraternizar entre elas. Isso enquanto as crianças brincam nos “playground” dos edifícios e os pais “socializam” nos salões de festa e nos “espaços gourmet”. Mas na “praça” da esquina da minha casa, nem empregadas domésticas, nem cachorros fazendo cocô vi ainda.
A praça (a de verdade) representa a apoteose do espaço público: o lugar da convivência e da manifestação social, expressão de liberdade e democracia. Ela celebra monumentos ou elementos significativos da cidade. As edificações em torno dela estimulam o uso e a apropriação das pessoas. Não é preciso ir muito longe para comprovar e aprender a essência de uma praça. O Recife possui alguns exemplos magníficos, como o Pátio de São Pedro ou o Largo do Livramento, dentre outros.
Mas os gestores urbanos insistem em construir espaços burocráticos, sem alma nem essência urbana e social. Apenas espaços burocráticos ou decorativos, que incrementam as estatísticas municipais. Os gestores podem dizer que a cidade possui tantas “praças” como a que construíram na esquina da minha casa. Pode até ser argumento para captar votos durante a campanha eleitoral. Porém, nada a ver com uma efetiva valorização do espaço público ou promoção da integração social. Apenas espaços decorativos, que incrementam os números e pouco contribuem com a qualidade urbana.
Praças com brinquedos para crianças, concebidas como lugares de encontro de vizinhos, estimulantes dos contatos e dos relacionamentos sociais, arrodeadas de fachadas ativas que promovem o controle do lugar pelas pessoas e, com ele, a segurança, são prioritárias, necessárias e bem-vindas, especialmente nos bairros periféricos. Colocar bancos e brinquedos de crianças para estimular contatos sociais em contextos extremadamente excludentes e, por isso, geradores de violência, revela, pelo contrário, ingenuidade e falta de compreensão dos problemas urbanísticos e sociais que desafiam nossas cidades.
Praça sem apropriação e convivência não é praça. Enquanto o mundo civilizado valoriza e promove a humanização dos espaços públicos e a sociedade brasileira reclama cidades melhores, os gestores urbanos parecem anestesiados pela “carrocracia” e pelos interesses dos grupos que ainda querem se refugiar em edifícios fechados e excludentes, enquanto esquecem da convivência cidadã. Pelo que se observa, a gestão da cidade continua dominada por burocracia que atrapalha a criatividade. E com burocracia não se faz cidade.
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