É com grande pesar que o IAB/AL informa o falecimento de um dos maiores arquitetos brasileiros: João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé. Infelizmente, nosso saudoso maestro da arquitetura não resistiu à doença contra a qual lutava há alguns anos e veio a falecer nesta quarta-feira, dia 21/05/2014.

Nos últimos anos, Lelé lutou bravamente contra um câncer e contra uma falta de compreensão, por parte dos gestores públicos brasileiros, da importância da sua obra e mesmo do que é a arquitetura e qual seu papel para a sociedade.

Investiu o que tinha e o que não tinha na criação do Instituto Habitat, por acreditar que “projeto” é apenas papel pintado e que o que importa mesmo é a obra construída a partir do projeto. Foi enrolado por gestores públicos, que lhe acenaram com projetos que nunca se concretizaram. O maior exemplo foram os dois projetos que desenvolveu para o Minha Casa, Minha Vida, a pedido da Presidenta Dilma, pelo qual nunca recebeu um centavo e que, apesar de melhor e mais econômico que o padrão que vem sendo adotado no Programa MCMV, não foi adiante devido ao lobby das construtoras e à falta de coragem do Governo.

LELÉ

Sua última batalha, paralela a do câncer, foi contra um empreiteiro muito poderoso e influente que ganhou a licitação para construir um projeto dele (que tinha mais de mil pranchas!) e queria mudar as especificações. Como Lelé não aceitou, o empreiteiro o vinha perseguindo, usando a máquina do Estado para criar toda sorte de problemas.

O arquiteto brilhante e coerente que aprendemos a admirar e que conhecendo-o pessoalmente, descobrimos ser também um homem gentil e generoso, merecia mais do que pudemos lhe oferecer. Lelé deu importantes contribuições para o Brasil, mas o Brasil foi muito injusto e pouco grato a ele.

Choramos hoje pelo arquiteto revolucionário que perdemos, pela pessoa nobre e querida que ele foi e, também, pela desvalorização da nossa profissão. Se um arquiteto da patente de Lelé passa por situações desse tipo, que será dos demais?

A vitória que tivemos com relação à vulgarização da RDC nos últimos dias é um passo importante contra esse tipo de pensamento que desvaloriza o projeto e ainda perdura no setor público.

O Lelé entendia a arquitetura como tecnologia, em uma relação intrínseca entre o desenho, o detalhe construtivo e a obra; que o fazer arquitetônico estabelece uma relação direta entre o canteiro de obras e a prancheta. Defendia a racionalização e a industrialização da arquitetura, tendo chegado a propor métodos e processos de pré-fabricação de peças construtivas, usando a argamassa armada armada e o aço,  na sua fábrica de pré-moldados, atualmente extinta.

Carioca de nascimento, Lelé escolheu Brasília – na época da construção, e depois a Bahia, para viver a maior parte da sua vida profissional. Deixa o exemplo de postura ética, de compromisso profissional, de humildade e de competência, como referência para o exercício da arquitetura.

 

LELÉ 1

 

Alguns dos projetos de Lelé:
·          Tribunal regional eleitoral da Bahia;
·         Hospitais da rede Sarah Kubitschek: Natal, Recife, Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, São Luís do Maranhão, Brasília e Salvador;
·         Sede do Tribunal de Contas da União (TCU): Bahia, Sergipe, Minas Gerais, Alagoas, Piauí e Mato Grosso;
·         O mercado municipal de Paripe, Bahia;
·         O Palácio Tomé de Souza, Prefeitura de Salvador. Bahia;
·         Convento de Brotas, salvador, Bahia
·         IIgreja dos Alagados, Salvador, Bahia;
·         Secretarias do Centro Administrativo da Bahia;
·         IIgreja do Centro administrativo da Bahia;
·         Passarelas de Salvador, Bahia.

LELÉ 2

 

Alagoas, especialmente, teve o privilégio de sentir de perto o talento e solicitude desse grande arquiteto ao vê-lo participar dedicadamente do XXIV Congresso Panamericano de Arquitetos como patrono e palestrante de abertura daquele grande evento, realizado pelo IAB/AL.

 

O IAB/AL se sente confortado por poder viver esses últimos momentos de sua atuação como conferencista e agradecemos desde já a sua família, por permitir essa aproximação com Lelé, mesmo diante de sua frágil saúde já naquela época.

Lelé foi largamente aplaudido e posou para fotos com a Vice-prefeita à época, Arq. Lourdinha Lira.

 

LELÉ 3

 

LELÉ 4

 

Para homenageá-lo, transcrevemos um texto feito pelo arquiteto Nivaldo Andrade, ex-presidente do IAB/BA, para a abertura da exposição “Fábrica e Invenção: a arquitetura de Lelé”, organizada pelo Museu da Casa Brasileira e que foi montada no foyer do Teatro Castro Alves, em Salvador, em 2012, para comemorar seus 80 anos:

“Dizem que o bom arquiteto é aquele que busca atender às demandas da sociedade com economia de recursos e, se possível, também de tempo; em países como o nosso, com tantas carências, cabe ao arquiteto conceber e erguer equipamentos que melhorem as condições de vida de todos e, em especial, daqueles que passam por maiores dificuldades, seja pela escassez de recursos financeiros, seja por problemas de saúde.
Dizem também que o arquiteto consciente deve, em um clima tropical como o nosso, privilegiar o conforto ambiental a partir do controle da incidência direta do sol e do aproveitamento inteligente da ventilação natural. Ao arquiteto digno deste título caberia ainda compreender que o projeto não passa de um meio para atingir um fim: a edificação materializada, a obra construída, que efetivamente pode cumprir uma destinação social. Por fim, deveria o bom arquiteto buscar incessantemente a beleza, em especial na pureza da forma, na expressividade do traço e – por que não? – na concordância entre curva e reta, como bem ensinou nosso mestre maior, Oscar Niemeyer.
A produção de João Filgueiras Lima, o Lelé, é a síntese de tudo isso: preocupação social, adequação climática, compromisso ético e qualidade estética. A trajetória e a conduta profissional de Lelé demonstram, de forma paradigmática, o papel do arquiteto em agregar civilidade e urbanidade às nossas cidades, tornando-as mais humanas. Em um momento em que a arquitetura do star system internacional privilegia a estética em detrimento da ética, a obra de Lelé honra e dignifica a nossa profissão, ao conciliar ambas”

 

Fiquemos com seus ensinamentos e com a saudade de seu talento e doçura!

A arquitetura brasileira está de luto!

LELÉ 5

 

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