Até quando?

 

 

2 de setembro de 2011 | N° 9280

DC – Continente – INTERBAIRROS | Edson Cattoni

 

A crescente convergência das malhas urbanas de Palhoça, São José, Florianópolis e Biguaçu – que juntas constituem um aglomerado com população estimada em 850 mil habitantes – nos coloca diante de um desafio inadiável: apresentar soluções e respostas aos problemas e oportunidades decorrentes deste tipo de crescimento das cidades. Ainda que alguns municípios tenham Plano Diretor, isto não é suficiente para orientar o desenvolvimento e a expansão das cidades de forma conjunta e equilibrada. O fato de estes planos serem elaborados a partir de abordagens diferenciadas, tanto no quesito técnico quanto temporal, explica a limitação de sua aplicação quando não inclui orientações para o conjunto das cidades.

 

A existência de um Plano Diretor, portanto, não isenta a cidade, o aglomerado urbano e a região metropolitana de manter um processo permanente de planejamento territorial e urbano. Caso contrário, corre-se o risco de empreender ações desarticuladas e não compartilhadas entre os municípios, ou ainda unilaterais e isoladas, com sérios riscos impostos à coletividade, que por sua vez é dependente do funcionamento deste sistema urbano.

 

As questões relacionadas ao transporte e mobilidade, sistema viário, habitação, segurança, saneamento, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, dentre outras, são de grande complexidade. Nos aglomerados urbanos, em especial, esta complexidade é ampliada, seja pelo potencial aumento das interações possíveis, seja pela falta de uma instância governamental capaz de mediar interesses e convergir ações e investimentos de forma articulada e efetiva entre as cidades.

 

Apesar do agravamento dos problemas urbanos, percebe-se que as várias instâncias do poder público continuam competindo entre si por popularidade, e consumindo valiosos recursos públicos em obras que, supostamente, deveriam aliviar os sintomas mais pungentes da sociedade. O que se vê, no entanto, são propostas de duplicações de trechos de vias, mais e mais aterros, obras de elevados, pontes, túneis e outras soluções viárias saindo do papel sem garantias de conexões adequadas ao sistema urbano existente, carecendo de estudos isentos e aprofundados, capazes de examinar as causas dos problemas e embasar a decisão quanto às alternativas apresentadas.

 

A cada nova promessa de soluções mágicas, com projetos que mais parecem ter saído da cartola, fica flagrante a inexistência de estudos para identificar a raiz e a extensão dos problemas urbanos. Há demonstração de falta de planejamento, pois os projetos surgem com significativo atraso, e de falta de compromisso, pela sobreposição de ações anunciadas de forma politiqueira. Por fim, o lançamento atropelado de editais para estudo de viabilidade levanta dúvidas, ao privilegiar determinada alternativa tecnológica. A prática torna-se ainda mais curiosa quando a contratação do projeto básico da obra é atrelada ao referido estudo de viabilidade… Quem, interessado na execução do projeto e até da obra, poderia concluir pela inviabilidade da proposta quando já está ao seu alcance assumir o projeto executivo da mesma?

 

Tomemos o exemplo das inúmeras propostas para “solucionar” o transporte de massa entre as quatro cidades mencionadas neste artigo. Cotidianamente, tais propostas são apresentadas com a maior naturalidade, ainda que não respondam às questões mais básicas. Que problema esta solução busca resolver? Por que o edital de contratação deste projeto salvador privilegia determinada alternativa tecnológica, omitindo ou restringindo a comparação com outras? Onde estão os estudos e o planejamento que orientarão os investimentos necessários?

 

Enquanto nos deixamos iludir ou distrair por tais promessas, um tempo precioso do desenvolvimento da cidade é desperdiçado. Ao passo que se acumulam e agravam os inconvenientes da vida urbana, a pressão será cada vez maior sobre o cidadão. Cedo ou tarde, cada um precisará desenvolver uma visão crítica, capaz de avaliar e perceber a precariedade dos projetos de enfrentamento destas intrincadas questões coletivas e, quem sabe, finalmente, dar um basta a tanto simulacro de planejamento.

 

* Edson Cattoni, arquiteto e urbanista, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Santa Catarina (IAB-SC).

fonte: Diário Catarinense – Caderno Continente

7 respostas para “Até quando seguiremos sem planejamento urbano e regional?”

  1. Avatar de Celio Luiz Sabbi
    Celio Luiz Sabbi

    Muito valioso e coerente o questionamento do arquiteto Edson Cattoni a respeito da urgencia de um planejamento integrado para a Região Metropolitana de Florianópolis.
    Os problemas cada vez mais exigem soluções pensadas conjuntamente,
    acima das vaidades políticas, com as devidas implicações de vizinhança.
    Celio Luiz Sabbi, arquiteto

  2. Avatar de Vania Burigo

    Muito importante a reflexao do arq Cattoni sobre a falta de planejamento regional na Grande Florianopolis.
    A existencia de um forum, um orgao de planejamento regional para discutir as questoes de forma integrada , se faz necessaria.
    Vania Burigo-arquiteta

  3. Avatar de GIOVANI BONETTI
    GIOVANI BONETTI

    Gostaria de parabenizar o colega Cattoni pelo brilhante texto.
    Sou solidário ao pensamento do colega, e quero salientar que uma de nossas propostas na AsBEA, é a luta por um Conselho Intermunicipal de Planejamento Urbano.
    Proponho que IAB SC e AsBEA SC trabalhem junto nesta proposta.

  4. Avatar de Bruna Salazar
    Bruna Salazar

    Nós também não concordamos com o crescimento desosrdenado!
    Até quando vamos ter que conviver com enchentes, engarrafamentos, favelas, violência…
    Discuta conosco.
    http://www.redefap.com.br/index.php/rede/groups/viewgroup/10-crescer-sem-planejar-nao-da

  5. Avatar de ZULMA SCHUSSEL
    ZULMA SCHUSSEL

    Parabéns Cattoni pelo “desabafo”. Ressalto porém que a situação da RM de Florianópolis é difícil, mas não é apenas uma questão local, mas um problema nacional. É só lermos com atenção o Estatuto da Cidade e verificarmos a importância dada às regiões metropolitanas. Enquanto nos encantarmos com o municipalismo e não observarmos a importância dos aglomerados metropolitanos na rede de cidades brasileiras, as políticas urbanas não conseguirão responder à realidade. O caso dos 4 municípios é exemplar, sem um planejamento integrado, será impossível resolver os problemas urbanos alí instalados.

  6. Avatar de Ana Pokora
    Ana Pokora

    Parabens colega Cattoni pelo exelente depoimento e questionamento. Na qualidade de presidente de nossa entidade IAB, seu posicionamento reflete a opinião e indignação de todos nós profissionais. Esperemos que hajam ouvidos para estas sábias palavras. Abraços

  7. Avatar de Alyson Alves

    Isso serve de início para os passos determinantes para a organização das cidades. Isso é tem que ser uma das prioridades para as entidades da nossa classe. Vamos la!

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