Processo de implantação do CAU – ENTREVISTA

Em entrevista à revista PROJETODESIGN, o arquiteto Jorge Raineski – Coordenador Nacional das Câmaras Especializadas de Arquitetura – explica o processo de implantação do CAU.

 

Jorge Raineski

Jorge Raineski explica todo processo de constituição do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil e suas unidades regionais

 

Os anos de trabalho em entidades de classe e no sistema Confea/ Creas – está no meio desde 1982 e, entre outros cargos, presidiu o IAB/ SC – parecem ter talhado a retórica do arquiteto Jorge Raineski para a política. Afável e de raciocínio cuidadoso, Raineski está, no momento, à frente de uma missão espinhosa: formalizar a constituição do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e suas unidades regionais.

 

Arquitetos e urbanistas não diretamente envolvidos na criação do CAU têm manifestado preocupação com a constituição do conselho. Afinal, eles terão ou não o CAU ainda este ano?

A lei prevê que o processo de transição seja realizado pela CCEARQ através das coordenadorias nacionais e das coordenadorias regionais das câmaras especializadas de arquitetura, com o acompanhamento das entidades de classe nacionais que compõem o CBA – Conselho Brasileiro de Arquitetos, ou seja, IAB, FNA, Abea, Asbea e Abap. Como parte do sistema Confea/Creas, nós [CCEARQ] não temos personalidade jurídica.

Existe, portanto, a dificuldade inicial de que, sendo responsáveis pela transição, temos que nos submeter às normativas do sistema. No primeiro entendimento, acreditava- se que esse processo seria feito com a participação tanto dos arquitetos como do próprio Confea, de forma harmoniosa. No entanto, o sistema Confea/Creas é pesado e tem um efeito de temporalidade diferente do que a lei prevê. Quer dizer, um ano para essa transição tem gerado inúmeras dificuldades, principalmente para os arquitetos, porque o sistema não a vê de forma harmoniosa.

O que significa não enxergar essa transição de forma harmoniosa?

Alguns presidentes de Crea não absorveram a nova lei e ainda estão oferecendo reações bastante complicadoras à transição. Além disso, há as eleições no sistema Confea/Creas, que vão ocorrer também este ano. E as diferenças que aparecem, com as correntes políticas que surgem nesse andamento, acabam por contaminar nosso processo. Como há uma disputa dentro do sistema – o que é natural, pois é um processo político -, a divisão traz consequências para o apoio que precisávamos ter.

Por conta principalmente dessas duas questões, o colégio de presidentes do Confea negou apoio para que fosse resolvido um problema gerado pelo próprio sistema ao interpretar o artigo da lei que previa que 90% dos recursos oriundos das contribuições dos arquitetos fossem depositados em conta específica. Em nosso entendimento, uma interpretação errada fez com que, por orientação do próprio presidente do Confea, em decisão normativa, fossem criadas 27 contas, uma em cada estado, para o depósito desses recursos.

 

Jorge RaineskiRepresentante de Santa Catarina na Coordenadoria da Câmara Especializada de Arquitetura (CCEARQ) do Confea, Raineski é também o coordenador nacional dessa instância do conselho e corre contra o tempo – e contra os contratempos – para que a eleição se realize na data estabelecida: 26 de outubro [o edital das eleições foi publicada no Diário Oficial da União e o pleito está confirmado]. A interpretação dada pelo Confea ao artigo 57 da lei, recomendando a abertura de contas por parte de cada um dos Creas para o depósito de 90% das contribuições dos arquitetos (e não de uma conta única e/ ou específica) é um desses obstáculos.
Além de regulamentar o exercício da arquitetura, a lei 12.378/2010 criou o CAU nacional e regionais. Ela estabelece que é responsabilidade das Coordenadorias das Câmaras de Arquitetura dos Creas e da Coordenadoria Nacional das Câmaras de Arquitetura do Confea gerenciar o processo de transição dos arquitetos para a nova entidade e organizar a eleição dos conselhos.

 

Foram as entidades que integram o CBA que avaliaram como equivocada essa interpretação da lei?

Também elas, mas a própria CCEARQ em sua primeira reunião, em fevereiro, constatou que o entendimento estava errado. Como o processo de transição e eleição se dá em âmbito nacional, para a escolha dos conselheiros federais, e também nos estados, não faria sentido realizar duas eleições, seria um gasto e uma mobilização desnecessários. Entendemos que a eleição deveria acontecer simultaneamente para os conselheiros federais e estaduais e que o custeio desse processo deveria se dar a partir de uma conta nacional, como prevê a lei.

Mas para o Confea deveriam ser criadas 27 contas. Após a manifestação da CCEARQ, o próprio presidente do Confea [Marcos Túlio de Mello], através de sua assessoria jurídica, achou que deveria reverter a situação e posicionou-se favorável à conta nacional. Mas já era tarde. Houve reação por parte dos presidentes dos Creas, e o colégio dos presidentes [órgão consultivo do Confea] se manifestou contrário à mudança. Por isso eu digo que houve uma contaminação do nosso processo de transição através do sistema Confea/Creas.

Qual o caminho adotado para que se crie a conta única?

O que nos resta é buscar, na Justiça, o cumprimento da lei, através de um mandado de segurança. O presidente do Confea tem ciência de que talvez esse caminho lhe facilite a reversão para a conta nacional. A situação cria dificuldade até para ele, que está sendo responsabilizado por ter tomado a decisão que nos prejudica e nos impede de proceder ao custeio do processo eleitoral.

Voltando à pergunta inicial: o que dizer àqueles que estão em dúvida sobre a constituição do CAU?

Ocorreram [até meados de julho] cinco reuniões [em Brasília, na sede do Crea/ DF] com a participação dos coordenadores nacionais. Se não temos tido a presença de todos é porque alguns Creas insistem em não mandar seus representantes, por acharem que não devem usar os recursos retidos. Vários Creas não estão sequer prestando contas para o Confea dos 90% das contribuições depositadas pelos arquitetos. Há uma desordem no sistema quanto à determinação de fazer o depósito e prestar contas ao Confea e às câmaras. O próprio Confea não tem mais controle sobre isso, o que é grave. Assim, não temos contado com a presença da totalidade dos coordenadores nas assembleias da CCEARQ, o que seria fundamental.

O que compete à CCEARQ está sendo feito: o regimento eleitoral está pronto e as comissões eleitorais de 27 estados foram montadas. O processo eleitoral com voto direto via eletrônica/internet foi aceito por unanimidade e vai permitir que o arquiteto, de qualquer lugar do Brasil, vote na data prevista [26 de outubro]. A eleição se dará em chapas proporcionais, conforme a lei prevê, de acordo com o número de arquitetos de cada unidade da Federação. Cada chapa será encabeçada por um candidato a conselheiro federal, portanto a eleição se dará num único momento. Todo o processo está organizado. Eu diria que tudo conspira para que a eleição aconteça. Apenas o acesso ao dinheiro para o pagamento das despesas necessárias é que está entravado.

 

Alguns desses Creas não estão sequer prestando contas para o Confea dos 90% das contribuições depositadas pelos arquitetos. Há uma desordem no sistema quanto à determinação de fazer o depósito e prestar contas ao Confea e às câmaras.


Qual a solução para o problema?

O caminho que temos aberto deve-se ao entendimento de seis Creas [de Santa Catarina, Paraná, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Ceará] que disponibilizaram recursos por ordem de seus próprios presidentes. Isso deverá viabilizar a eleição, independentemente da criação da conta nacional. Mas existem alguns entraves jurídicos que estamos tentando superar. Mantemos nosso propósito de que a eleição se dê no prazo previsto. É evidente que a nossa comunicação também tem sido dificultada pelos acontecimentos. Não ter a certeza de como vamos resolver a questão financeira/econômica gera um desconforto para que possamos levar com tranquilidade a todos os arquitetos a informação de que o processo está andando linearmente para o ponto onde temos que chegar.

O CAU deverá também ter câmaras, como as que existem no Confea?

Não acredito, até porque nesse ponto começam a aparecer nossas diferenças com o sistema Confea/Creas. Como é uma única profissão, não há necessidade de se dividir em câmaras. Não acredito que vamos separar os paisagistas dos urbanistas, dos arquitetos. Até porque o entendimento que se tem da arquitetura é que ela é uma profissão abrangente, que engloba todas as atribuições em um único profissional. Então, não vejo possibilidade de que as coisas venham a acontecer dessa forma.

O prazo inicial para a publicação do edital/regulamento da eleição, no final de junho, foi cumprido?

Não, mas a previsão é que isso ocorra no dia 19 de julho [o edital foi publicado oficialmente dia 22 de julho]. Alguns ajustes foram feitos no regimento para que pudéssemos superar em tempo essas dificuldades. Até porque há custos para a publicação do edital e isso também esbarra na questão das contas. A medida judicial já está autorizada, mas nós [CCEARQ] não podemos entrar na Justiça contra o Confea/Creas. São as entidades nacionais de arquitetos reunidas no CBA que devem mover a ação: entrar com mandado de segurança para que o presidente do Confea se sinta legitimado a tomar a atitude que ele mesmo já se convenceu ser necessária.

Por conta disso, também corre a própria participação, ou não, dos arquitetos no processo eleitoral do Confea/Creas [em novembro]. Essa é uma questão que está sendo posta agora e a posição da CCEARQ tem sido a seguinte: vamos cuidar da nossa eleição e deixar que o sistema Confea/Creas faça a melhor eleição possível, para que tenhamos um outro conselho parceiro. Porém, como o processo de eleição e transição pode passar do final do ano, poderemos interter mudanças no Confea/Creas, com outros presidentes. Seria irresponsabilidade nos isentarmos totalmente caso isso venha a acontecer com os arquitetos ainda dentro do sistema.

Volto a frisar que pretendemos fazer a nossa eleição sem interferir com a do Confea/Creas, a menos que o próprio sistema gere dificuldades tão grandes que impeçam nossa separação no prazo previsto. Se isso ocorrer, então os arquitetos, de forma organizada, vão reivindicar o direito de participar da escolha [no processo eleitoral do sistema Confea/Creas], já que ela será imperativa para a transição.

 

Não ter a certeza de como vamos resolver a questão financeira/ econômica gera um desconforto para que possamos levar com tranquilidade a todos os arquitetos a informação de que o nosso processo está indo para o ponto onde temos que chegar.


A CCEARQ tem conhecimento dos valores movimentados nas quase três dezenas de contas?

Nem o Confea tem essa informação, e o que sabemos chega através dos coordenadores de câmaras. Alguns têm a informação de que existe determinado valor depositado, mas sem acompanhamento de extratos ou comprovante de como isso está sendo feito. Temos conhecimento de que esses valores são da ordem de 16 milhões de reais. Acreditamos que seja 50% do que realmente é devido, mas é o suficiente – e com bastante margem – para o custeio do processo eleitoral e da transição. Esse dinheiro já pertence ao CAU. Alguns Creas estão agindo de forma correta, mas, do total de 27 unidades, em torno de 50% ainda não tem sequer prestação de contas. Mas não devemos focar nossa atenção nisso, até porque, uma vez instalado o CAU, haverá auditorias.

Com a formalização do CAU, deverão ser realizadas auditorias para checar essas contas?

Certamente. E por isso nos preocupa saber que em muitos estados existe movimentação dos Creas tentando compor chapas para participar e interferir no processo eleitoral do CAU. Nossa proposta é não interferir nas eleições do Confea, mas sabemos que a recíproca não é verdadeira.

Quais os argumentos dos Creas que não têm feito o depósito para continuar a proceder dessa maneira?

Esses entraves são de ordem exclusivamente política. Significa que há outros interesses que não o do cumprimento da lei e um processo de transição harmonioso, que estamos buscando. Ainda insistimos nesse caminho, embora já tenha se esgotado grande parte das possibilidades de que venhamos a construir o CAU dessa forma. Então, o encaminhamento jurídico deverá garantir que o processo ocorra. E deveria ser um processo harmonioso, em que teríamos, ao mesmo tempo, eleição e transição com a migração das informações, com as estruturas mínimas para o início das atividades do CAU.

Qual a posição do Crea de São Paulo?

Ele tem apresentado inúmeras dificuldades. Uma delas é justamente o fato de ele ser contrário à criação da conta nacional. Por conta disso, colegas de São Paulo têm enfrentado dificuldade no diálogo com o presidente desse Crea. Segundo informações da coordenadora por São Paulo, não há prestação de contas.

E como tratar isso, uma vez que São Paulo é o estado que mais arrecada?

Cerca de 30% dos profissionais [arquitetos e urbanistas] brasileiros estão no estado de São Paulo e a maior parte do colégio eleitoral também. É um estado que faz uma falta muito grande, mas não o suficiente para impedir que o processo ocorra dentro da normalidade.

Há alguns meses, as entidades que compõem o CBA e a CCEARQ consultaram o Tribunal Eleitoral para verificar a possibilidade de ele participar da organização da eleição. Como isso evoluiu?

De fato, visitamos um representante do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, que nos informou que o Tribunal Superior Eleitoral dispõe de tecnologia e conhecimento para fazer eleição via internet. Mas é norma do TSE que, em anos de eleição ou plebiscito, sua participação em qualquer outra eleição no Brasil fica congelada. Como havia a possibilidade de ocorrer o plebiscito sobre desarmamento proposto pelo [senador José] Sarney, buscamos opções e tomamos conhecimento da existência de empresas que têm essa tecnologia e já a aplicaram em eleições nos conselhos de farmácia e administração. Haverá licitação, conforme prevê a lei, e não sabemos quais empresas vão se habilitar, mas sabemos que o processo existe e como deverá funcionar.

Quem realizará essa licitação? O próprio Confea?

Teria que ser o Confea, existindo a conta nacional. Senão, vamos ver a possibilidade de um Crea assumir o processo licitatório, uma vez que é um custo que estaria ao alcance deles. Trata-se de eleição em âmbito nacional, mas que estará sediada em algum local. O sistema de internet permite que o processo eleitoral, sediado em determinado estado, atinja não apenas o país, mas até o exterior, para aqueles arquitetos que tenham celular com acesso à internet.

O senhor disse que qualquer Crea teria condições de bancar a eleição. Qual será o custo desse processo?

Fizemos um levantamento e acreditamos que custará menos de 500 mil reais. Qualquer Crea, por conta dos 90% dos recursos retidos nas contas, estaria habilitado a fazer essa concorrência.

Como deverão ser compostas as chapas que vão concorrer? Quem os arquitetos vão eleger?

A eleição será proporcional para a formação dos conselhos regionais, de modo que o número de conselheiros regionais é proporcional ao número de arquitetos registrados no Crea de cada estado. O mínimo, conforme a lei prevê, para estados pequenos, é cinco conselheiros regionais e um nacional. O número de membros de cada regional é igual ao número de candidatos que deverão fazer parte da chapa: são os conselheiros e seus respectivos suplentes. Pode concorrer mais de uma chapa, e se uma delas tiver 60% dos votos, por exemplo, 60% do conselho seria formado por integrantes dessa chapa.

Numa eleição para cinco conselheiros, por exemplo, essa chapa elegeria três e uma eventual segunda chapa, com 40% dos votos, colocaria dois membros no conselho regional. O conselheiro nacional pertence à chapa vencedora. O mínimo que uma chapa deverá fazer para garantir a presença de um de seus conselheiros é 20% dos votos. E ela deve ter já definida a ordem dos membros que serão chamados a compor o conselho regional.

Existem chapas sendo articuladas dentro do próprio CBA?

Eu sou do IAB e tenho participação também nas entidades de classe. Temos uma grande ligação com o CBA. Até esse momento, para nosso conforto, não temos divisões internas. Não há divisão entre as entidades de classe, não há divisão dentro da CCEARQ, apenas um estado tem se abstido das principais decisões – não preciso esconder que é São Paulo -, porque o resto do país tem votado junto, com exceção das entidades que não podem estar com a gente em razão de dificuldades.

O CAU/BR terá, então, 27 conselheiros. Como será escolhido o presidente?

Ele será escolhido pelos 27 conselheiros federais e mais um representante das instituições de ensino, que deverá ser nomeado pela CCEARQ.

Não votar diretamente no presidente nacional não poderá frustrar a categoria?

Ao se redigir a lei, houve o entendimento de que nossa modalidade de gestão seria parlamentarista. Tanto que o conselho nacional, com anuência de 2/3 de seus componentes, poderá mudar o presidente a qualquer momento. É um sistema moderno, que não centraliza tanto o poder.

Esse sistema é vantajoso?

Uma das críticas que faço ao sistema Confea/Creas é que temos um conselho, mas o presidente governa em separado, fica garantido no poder por um processo à parte. O sistema presidencialista tem uma centralidade meio imperial, da qual não precisamos. O sistema escolhido para o CAU me parece mais democrático, mais justo.

Quantos profissionais deverão participar como votantes nessa primeira eleição?

Estima-se que haja 100 mil profissionais no Brasil e esperamos que todos participem da eleição. Temos consciência de que o processo não está sendo facilitado e isso talvez seja prejudicial, mas a lei prevê a obrigatoriedade do voto e aplicação de punição em sua ausência. A multa, que está sendo definida no regulamento eleitoral, tem a função punir, mas também de fazer cumprir uma obrigação.

 

Uma das críticas que faço ao sistema Confea/Creas é que temos um conselho, mas o presidente governa em separado, fica garantido no poder por um processo à parte. O sistema presidencialista tem uma centralidade meio imperial.


O senhor tem conhecimento da existência de articulações em alguns Creas com o objetivo de montar chapas para disputar a eleição do CAU?

Temos ouvido depoimentos e há rumores de que existem alguns estados fazendo essa ingerência, o que nos preocupa. Precisamos tomar uma atitude com relação a isso. Alguns Creas têm interesses diversos nessa situação. Um deles se refere ao fato de termos CAUs independentes em cada estado, até por conta de auditorias que, porventura, tenham que ser resolvidas.

Quem seria uma boa aposta para presidir o CAU/BR?

Espero que seja alguém comprometido em criar um conselho de todos os arquitetos, para toda a sociedade brasileira. E, de preferência, que não seja uma figura carimbada.

FonteARCOWEB

Por Adilson Melendez
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 378 Agosto de 2011

 

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