Pensando o CAU

Os textos que seguem são uma contribuição dos autores para a discussão e, portanto, não representa necessariamente a opinião do IAB-SC

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Ideário do CAU/SC

 

“… como o ofício de arquiteto deve ser exercido tendo em conta todos os saberes, pois a razão devido à sua amplitude, não permite atingir a plenitude do conhecimento desejado, mas apenas um saber mediano das várias especialidades, peço, ó César, a tua compreensão e a daqueles que hão de ler estes livros… Com efeito, … não foi como… filósofo,… retórico, … gramático, … mas como arquiteto imbuído destes conhecimentos, que me esforcei por escrever estas coisas.”

Vitrúvius Pollio

A invenção do CAU/SC impõe aos arquitetos catarinenses reflexões sobre o significado e importância de seu papel, enquanto categoria profissional, que alerta a sociedade quanto à necessidade de qualificação das soluções físico-espaciais, em todas as escalas territoriais, urbanas e arquitetônicas, considerando os desafios ampliados pela diversidade das dimensões continentais brasileira, impondo novas responsabilidade aos governantes, históricamente, sem nenhum compromisso com a qualidade da configuração do espaço físico brasileiro.

É da formação e da competência do arquiteto projetar, este é o papel que se espera deste profissional. Projetar significa propor soluções essencialmente formais, que carregam consigo desempenhos variados, como resposta a diferentes expectativas ou demandas. Ter ciência dos significados das nossas propostas, das nossas soluções e de como isto afeta a sociedade nas suas mais diversas expectativas (econômicas, culturais, sociais, estéticas, ambientais, entre outras) deve ser a busca prioritária. Ao que parece, em um sentido contrário à lógica, os arquitetos têm abandonado este universo da sua competência.

“A área profissional da Arquitetura e do Urbanismo tem, na maioria das vezes, se limitado a procurar conhecimentos que guiem suas ações em outras disciplinas, abandonando seu método próprio e mesmo a reflexão sobre sua forma de atuação. Acreditamos que a contribuição do profissional arquiteto na formação de um corpo de conhecimento interdisciplinar sobre o meio urbano pressupõe tanto o diálogo com outros campos de conhecimento quanto a reflexão a partir de suas práticas e métodos. Somente desse modo o conhecimento pode efetivar-se como guia da atividade prática, e a prática realizar seu papel de verificação do conhecimento em todas as suas etapas de evolução.” (REIS, 2008, p. 5).

Pensar o espaço construído, no âmbito de atuação dos arquitetos, passa por uma reflexão espacial sobre a configuração do território, da cidade e de suas arquiteturas. Embora os agentes possam ser econômicos, políticos ou sociais, os impactos sobre o meio ambiente são físicos, formais e espaciais.

Não existe modo de pensar a preservação do meio ambiente sem pensar nas estratégias espaciais para a cidade em suas diversas escalas. As críticas e o chamamento para a gestão espacial da cidade deve se estender ao universo de todos os arquitetos. Incluem-se aí os profissionais de planejamento municipal, os ditos “do mercado”, os “do mercado institucional”, e também os doutos em disciplinas alheias que trocam desenhos propositivos por graficos sócio-econômicos.

Embora sejam os arquitetos agentes essenciais do processo, profissionais que num universo multidisciplinar seriam capazes de oferecer às cidades, alternativas de desenho negociadas, podendo fazer frente às diferentes expectativas sociais, sabemos dos limites de nossas ações e rejeitamos qualquer visão romantizada neste sentido.

Está nas mãos dos arquitetos parte da resposta para a falta da proposição da estrutura espacial do território e da cidade, em especial daquela de caráter público, buscando a reversão do processo de falência da forma urbana enquanto mantenedora de atributos fundamentais da cidade, especialmente no que tange à forma e apropriação social dos lugares.

A questão ambiental é primordial, mas a necessidade do presente parece estar sobretudo, em uma conciliação da preservação ambiental com a gestão e planejamento do espaço construído.

Nesse sentido persiste o desafio aos arquitetos representado pela agenda contemporânea de questões prementes relativas à organização do território, a forma urbana contemporânea bem como às novas tipologias arquitetônicas requeridas pelo equilíbrio ambiental.

Quanto à prática profissional dos arquitetos, o paroxismo do mercado ameaça as possibilidades de autonomia nas profissões, intensificando as contradições que sempre acompanham as proposições arquitetônicas. A intrusão da “lógica comercial”, constitui precondição do processo de produção do projeto arquitetônico que desenvolve-se, desde os seus primórdios,  tendo o mercado como referência.

A globalização expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo como um modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial.  Entre as contradições presentes no processo de produção desse singular produto (projeto territorial, urbano e arquitetônico), é possível destacar aquelas relacionadas ao mercado, tal como a competitividade, cada vez mais acirrada e intensa no contexto da globalização.

Observa-se, com intensidade e frequência jamais registradas anteriormente, a primazia do mercado e dos critérios econômicos em detrimento das questões sociais e culturais. A dimensão mercadoria, presente no produto do trabalho do arquiteto – projeto do espaço construído – é reiterada e, como tal, divulgada por meio de ações e estratégias de marketing. Para tanto, frequentemente é minimizada a qualidade cultural do trabalho ou a dimensão arte e maximizada sua perfeita adequação ao consumidor bem como sua condição de gerar lucro para, dessa maneira, garantir uma fatia do mercado.

Deve-se compreender o papel do arquiteto na cadeia produtiva da construção civil com a função criadora e qualificadora do espaço construído, mas não com o autoritarismo do desenho, de significado hermético, obscuro e distante das reais necessidades do usuário. Esse profissional deve compreender as aspirações populares para ser entendido em suas proposições, mesmo ciente de que a culpa pela baixa qualidade do espaço habitado não seja exclusiva da arquitetura e dos arquitetos. Os arquitetos sozinhos, não têm a capacidade de resolver os problemas, que são de toda a sociedade e, não raras vezes, as políticas são baseadas na equação globalizante, conforme estabelecido pelos centros de decisão das políticas.

As consequências desse quadro globalizante em resumo levam ao surgimento de projetos genéricos que privilegiam nações em detrimento de outras menos estruturadas pela falta do devido nivelamento. O resultado é o endividamento, o desmantelamento da indústria nacional com posterior venda ou incorporação de empresas, a realização de obras majestosas envolvendo recursos que são pagos com o sacrifício da população, o empobrecimento cultural e material, o desemprego, etc.

A globalização da economia capitalista, compreendendo a formação de centros decisórios extra e supranacionais, debilita ou mesmo anula possibilidades de estratégias nacionais.

Na área da atuação do arquiteto, situações de pouco trabalho e desemprego revelam um modelo político que não contempla a perspectiva de formular propostas técnicas para as soluções que o país requer, seja nos campos da habitação, do urbanismo e dos serviços sociais diversos, seja no âmbito da própria atividade produtiva ou mesmo do aprimoramento do projeto. A questão principal não é simplesmente a amplitude que a arquitetura tem no tocante ao conhecimento, mas a forma como as áreas se articulam e a relação das funções na distribuição do trabalho.

No que diz respeito ao exercício profissional no campo internacional para a UIA, o acordo sobre normas internacionais recomendadas para o exercício da arquitetura define as melhores práticas e as normas às quais estarão vinculadas. Por meio de uma série de diretrizes, esse documento estabelece um conjunto de normas destinadas às instituições governamentais de todo o mundo, fator pelo qual, mais uma vez, impõe-se participação e discussão permanentes.

Os acordos internacionais regulam a livre circulação dos profissionais. Sua importância reside no fato de que, como veículos potenciais para a exportação de serviços de arquitetura, eles podem abrir as portas aos arquitetos para novos mercados nos países associados. É extremamente importante acompanhar o desenvolvimento dos acordos internacionais, principalmente porque isso implica no reconhecimento mútuo sobre a prestação de serviços de arquitetura.

No Brasil, desde as movimentações por reformas de ensino e atuação profissional, preconizadas pelo IAB, nas décadas de 1940 e 1950 já se criticava a legislação e a maneira como a profissão de arquiteto estava atrelada à dos engenheiros. O IAB, a FNA, a AsBEA, a ABAP e a ABEA reagiram na forma de um processo de intensa mobilização a fim de aproveitar a oportunidade para efetuar a retirada completa do sistema atual e realizar a unificação dos arquitetos sob uma mesma e autônoma entidade. Em julho de 1998, essas organizações criaram o Colégio Brasileiro de Arquitetos (CBA), propondo a sua auto-organização com a apresentação de um projeto de lei que instituiria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo Federal e os Conselhos Regionais, ao mesmo tempo que se promoveria o registro profissional sem prévia autorização de qualquer instituição. A criação de um conselho próprio foi objeto de acompanhamento constante de todas as organizações profissionais dos arquitetos desde então.

A constituição do Conselho de Arquitetura e Urbanismo/SC, possibilita um modelo institucional que irá refletir a nova realidade do mercado de trabalho. Nessa realidade, terão reflexo as novas relações de produção da arquitetura, as novas atribuições que a sociedade confere à profissão, uma nova ordem profissional em que o arquiteto se reconheça no texto legal, em que sejam respeitadas a sua identidade e a sua especificidade e que tenha assegurados os seus direitos e fiscalizados os seus deveres de forma justa e democrática.

A criação do CAU oportuniza a consolidação de um decálogo contemporâneo orientador das proposições dos arquitetos urbanistas em todas as escalas, como contribuições ao artefato representado pela paisagem construída sobre um planeta cada vez menor, dilacerado por catástrofes naturais e por candentes questões ambientais, culturais, sociais, étnicas, estéticas e éticas, visto a projeção de 9,2 bilhões de humanos previstos para 2050.

Floripa, 17 de agosto 2011.

Contribuições conceituais de:

Vitruvius Pollio

Almir Francisco Reis

Roberto Simon

Michel Mittmann

Nelson Saraiva

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    3 comentários sobre “Pensando o CAU

    1. Na falta de um espaço para comentar sobre o evento realizado nesse último sábado, aproveito esse espaço, que julgo o mais pertinente.

      Caros;

      Depois de seis ou sete anos afastado, a pedido de um grande amigo, resolvi participar de uma reunião que envolvia entidades representantes dos arquitetos catarinenses.

      Havia na reunião cerca de 60 arquitetos – da capital e do interior, jovens e experts, atuantes ou apenas participantes, com grande histórico de serviços prestados ou com disposição pra ainda prestar – em resumo, com efetiva capacidade de representar os interesses da classe. Todos esses, certamente imbuídos de um desejo: Colaborar com a construção das pedras fundamentais do nosso CAU, um conselho atuante, representativo, dinâmico e ético.

      Lá, encontrei muita coisa nova, diferente do período em que estive mais próximo do IAB-SC e das demais entidades representativas dos arquitetos e urbanistas catarinenses. É impressionante ver a mobilização dos colegas em prol de um bem comum, e é muito satisfatório perceber que a grande beneficiária do CAU é a própria Sociedade, que passará a ter agentes mais ativos e comprometidos, mais efetivos e atuantes na defesa da arquitetura e do urbanismo catarinense e brasileiro. Havia muita gente comprometida, interessada, com conhecimento técnico-legal e know-how apropriados para o debate e para a execução do longo trabalho que certamente se avizinha. É tranqüilizador saber que o futuro de nossa profissão está nas mãos desse tipo-de-gente. É igualmente tranqüilizador saber que esse futuro não repetirá os velhos hábitos do sistema Confea-Crea.

      Houve várias explanações focadas no comprometimento social do nosso futuro Conselho, e as pessoas que proferiram essas palavras merecem nosso mais profundo reconhecimento. Houve vários discursos conciliadores, muito pertinentes. É certo que houve amplo espaço para divergência, mas não será o contraditório a melhor forma de evoluirmos?

      Houve diversos momentos de falta de senso prático, de enraivecer. Mas é possível, quase provável, que esse tipo de situação faça parte desse tipo de momento histórico e processo de construção que nos propusemos: Um Conselho feito a mil mãos; representativo e democrático.

      Houve, entretanto, alguns episódios que precisam ser revistos: Não há mais espaço em nossas instituições para situações em que os interesses individuais sejam deliberadamente postos a frente da democrática posição da plenária. Não há alma-viva que esteve presente ao evento que não saiba precisar esses momentos. E quando essas situações acontecem de forma tão explícita, é certo que a distância entre representante e representado se torna ainda maior.
      Se a crítica é bem vinda, espero que todos façam um exame de consciência e reflexão sobre sua posição nesse dia, sobre a forma como trabalhou por um Conselho representativo dos profissionais. Por óbvio, também farei a minha.

      E se errar é humano e esse Conselho está sendo construído por nós – humanos que somos, é certo que um erro ou outro no longo caminho não mudará o sucesso que certamente é destino: nosso e da sociedade.

      “E sem saber que era impossível foi lá e fez” (Jean Cocteau)

    2. Marcelo Martins, grande texto, grandes expectativas.
      No intuíto de buscarmos a maior representação, talvez tenhamos atropelado alguns momentos.
      Mas acima de tudo, na busca do melhor.
      E que o se poderá ver na chapa que sera lançada na proxima segunda feira, é que todo o estado esta representado, seja por regionalidades, seja por atuação profissional e de entidades,posições políticas, antigos lutadores, jovens idealistas, entre tantas outras.

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